Em 1999, quando a Elecbyte lançou a engine Mugen, a cena dos jogos de luta em 2D foi revolucionada. A possibilidade de criar crossovers, personagens originais e até versões próprias de clássicos do gênero incendiou a imaginação dos fãs. Naquele início, porém, a internet engatinhava, a linguagem de programação era confusa para iniciantes e as ferramentas eram limitadas. Mesmo assim, uma legião de criadores surgiu, e os brasileiros se destacaram.
Entre eles, está Ramon Saldanha, o desenvolvedor que transformou uma ferramenta experimental em um dos programas mais importantes do universo Mugen: o Fighter Factory.
Dos primeiros contatos ao nascimento do Fighter Factory
Antes de criar sua própria marca na história, Ramon usava o MCM (Mugen Character Maker) e ferramentas nativas de linha de comando. O primeiro passo importante veio com o ZCharCAD, criado por Aziz Vicentini, que chegou a liberar o código-fonte da versão 5.
Ramon relembra como tudo começou:
Ramon Saldanha:
Eu baixei o ZCharCAD 5, comecei a estudar o código e aprendi a programar sozinho. Fiz um novo editor para Mugen, extremamente bugado, que acabou se perdendo em um HD estragado. Mas esse foi o ponto de partida.”
Ele enviou a ferramenta para Aziz, que aprovou a iniciativa e lhe passou o bastão: o código da versão 7. A partir daí, Ramon deu início ao que se tornaria o Fighter Factory.
A transição do ZCharCAD para o Fighter Factory
A primeira versão de Ramon, o ZCharCAD 8, não foi bem recebida.
Deve ter sido a versão mais odiada, porque ninguém gosta de mudanças. O ZCharCAD era adorado, tinha um padrão de interface mantido por anos, e do nada um desconhecido muda tudo”, brinca.
Foi o feedback da comunidade, em especial no fórum MGBR, que guiou a evolução da ferramenta. Com apoio de O Ilusionista e Fabiano Reis (Carnificina), Ramon reescreveu tudo.
Ramon:
“O projeto evoluiu tanto que já não era apenas uma versão do ZCharCAD. Era como comparar Photoshop com Paint Brush. Fabiano sugeriu o nome Fighter Factory, e ele permanece até hoje.”
Quem é Ramon Saldanha?
Natural de Taquari (RS), Ramon tem 33 anos e trabalha como programador. Sua paixão por games começou cedo.
Meu primeiro contato foi com o Super Mario World, no Super Nintendo. Eu e minha irmã jogávamos alternando até o personagem morrer. Lia e relia o manual ilustrado, eram outros tempos.”
Mais tarde, descobriu os jogos de luta com Mortal Kombat.
“Adquiri um manual de golpes e fatalities, e passava horas praticando. A cada fatality bem-sucedido, a diversão era garantida.”
Aos 13 anos, encontrou o Mugen e fez suas primeiras experiências no DOS. Ainda que os projetos tenham se perdido, foi nessa época que conheceu Douglas Baldan (O Ilusionista), que se tornaria um grande amigo.
O sucesso do Fighter Factory
Hoje, é impossível pensar em desenvolvimento para Mugen ou Ikemen sem o Fighter Factory.
O sucesso foi além das expectativas. Cheguei a dar entrevista para um jornal local, algo que nunca imaginei. O FF me mostrou minha profissão e abriu portas, inclusive para aprender inglês e fazer amizades internacionais, como com o Jesuszilla, que contribui até hoje.
Ramon Saldanha
Entre os principais testadores e colaboradores, Ramon cita: O Ilusionista, Carnificina, AnArquia B, Beatrice, Cyanide, Cybaster, Jesuszilla, Juano16, Legendary XM-90, Liero, RajaaBoy, Seravy, Zero-Sennin.
A VirtuallTek e os próximos passos
O estúdio de Ramon, VirtuallTek, já desenvolveu outras ferramentas como o Maker for nLite, mas hoje foca no Fighter Factory.
Nos próximos meses, deve sair uma versão inédita do FF com um recurso que vai mudar completamente a forma como se desenvolve conteúdo para Mugen. Também estou preparando meu primeiro jogo comercial.”
Além do Mugen, o FF Studio já tem suporte em andamento para OpenBoR. Quanto ao Ikemen Go, Ramon admite que pode acontecer, mas não é prioridade.
Mugen, Elecbyte e teorias
Para muitos, a grande questão é: o Mugen pode ser atualizado?
É possível, mas trabalhoso. A engenharia reversa não é tão difícil quanto parece, mas dá muito trabalho.
Ele também compartilha uma visão crítica sobre a própria Elecbyte:
“Foi sempre um mistério. Acho que quem relançou o Mugen 1.x não eram os criadores originais. Houve inconsistências de compatibilidade e até documentação incorreta. Suspeito que alguém tenha revertido o código e se passado por eles.”
A força da comunidade
Ramon credita o sucesso do Mugen à simplicidade e à liberdade criativa:
“O Mugen é a Coca-Cola dos motores de jogos de luta 2D. Outras engines surgiram, mas nenhuma alcançou a mesma popularidade. É simples, permite recriar ou inventar, e isso conquistou a comunidade.”
Ele também destaca grandes nomes:
“Carnificina, O Ilusionista e Jesuszilla foram fundamentais. Mas são muitos criadores, fica até injusto citar poucos.”
O futuro e o legado
Apesar da rotina intensa, Ramon ainda se diverte com o Mugen:
Minhas jogatinas hoje são basicamente para testar conteúdos no FF. O tempo é curto e as tarefas, muitas.
O Fighter Factory, no entanto, permanece como uma das ferramentas mais importantes para quem deseja explorar o Mugen, o Ikemen ou até mesmo o OpenBoR. E sua história mostra como a paixão de um fã pode transformar a experiência de toda uma comunidade.




